quarta-feira, 28 de outubro de 2009

CUBA LIBRE IN MEMORIAM

Seco. É só o que sinto nesse momento. Está tudo muito seco. Minha boca, minha garganta, minha pele, minha torneira, tudo está seco. Soluço, soluço, soluço. E tudo fica ainda mais seco. Também não tem água na geladeira. Desço e vou ao bar em frente. Não tenho dinheiro. Seco. Pego fiado uma garrafa grande de coca e uma de Rum ordinário. Uma pequena vitória afinal, o Gersom nunca tinha pendurado nada pra mim. Pedi também um copo de água da bica para melhorar o soluço. 9 X 2 para a vida, sei que não tenho chance de virar esse jogo.
Não sou de beber Cuba Libre, muito menos às duas da tarde, mas hoje merece um porre. Estou a exatos sete dias sem beber, e ficaria mais hoje não fosse o acontecido. Pareceu-me uma boa homenagem. Comecei com Dreher a umas três horas, mas só tinha meia garrafa. Também não sou muito de Dreher, só tinha essa em casa porque alguém deixou. Essa foi outra homenagem.
Acordei com a notícia de que tinha morrido um conhecido. Não era grande coisa, eu não gostava tanto dele, enfim, era só um bêbado. Pessoas de minha alta consideração conviveram muito mais com ele e também não sentirão tanta falta. Mas ainda assim achei que merecia uma homenagem. Liguei para o Quito e dei a notícia. Ele também não achou grande coisa, mas disse que viria. Ele chegou logo depois que comprei o Rum, me encontrou bêbado e seco.
Ao velho cachaça, brindamos do primeiro ao último copo de Cuba. Secamos a garrafa e eu já estava bem torto. Quito queria fumar e tinha uma boa quantidade de erva, não sou muito de maconha, mas já que homenageava um pai morto, por que não dois. Pareceu-me uma boa homenagem.
Já havia anoitecido a muito tempo, eu não tinha mais dinheiro, nem o Quito. De fato não agüentaria beber mais nada. Começar com Dreher não é coisa que se faça e saia impune. Este ultimo pensamento me fez lembrar da morte do velho cachaceiro, não me pareceu uma morte tão estúpida. Um homem deve morrer de seus vícios e viver de suas virtudes, nunca o contrário. Sei que minha morte não será muito diferente, sinto que estou gastando minha saúde muito rápido e não devo agüentar muito tempo. Mas minha vida acredito que seja bem diferente, espero. O velho não deixou nada alem de bugigangas e algumas mágoas, e teve um enterro vazio e constrangedor. Ganhou mais dinheiro do que viveu. Pelo menos bebeu muito, já é alguma coisa.
Quando chegar meu dia, quero ser lembrado de forma oposta. Sei que não juntei muito dinheiro e a não ser que acerte a mega sena morrerei pobre. Também não fui muito bom em nada, nem mesmo bom. Considero sinceramente que a minha única virtude digna de comentário é que sou um bom amigo. Amei meus amigos durante toda minha vida e não pretendo mudar. Sempre deu certo. Não fui bem sucedido com as mulheres, e por mais que ainda não tenha desistido, já me conformei. Mas como amigo sou muito bom. Nisso e em beber cerveja. Um homem deve viver de suas virtudes e morrer de seus vícios, vivo de ter ainda alguns bons amigos e morrerei de tanto beber. Tenho trinta anos, e daqui a dez, no máximo, quero ser lembrado por isso.
Olho para o lado e o Quito esta dormindo, seu peito chia como um apito. Será que ele está tão seco quanto eu? Morrer deve ser assim: seco.
  
     

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

SALVE 27 DE SETEMBRO

Havia trocado o dia pela noite pela terceira vez consecutiva. Isso me incomodava profundamente. Não tinha saído de casa e nem bebido em nenhum desses dias, apenas ficava acordado a noite toda, sóbrio e sem ter o que fazer. Saí de casa procurando um bar onde pudesse almoçar e depois tomar uma cerveja. Ainda não era verão, mas o calor estava insuportável. Pedi um frango assado e um refrigerante, não consigo beber enquanto como, e comi meio sem vontade. Terminei o refrigerante e pedi uma cerveja. Realmente uma cerveja faz toda diferença.
As ruas estavam lotadas de crianças correndo pra todo lado. Todo o ano é assim, dia vinte e sete de setembro é o dia das crianças no subúrbio, é dia de Cosme e Damião. Não me incomodei com a gritaria, ao contrário, me enchi de bom humor. Acho que minha primeira memória de infância, onde sou totalmente autônomo, é de num desses dias. Lembro-me de estar com uma matilha de amigos, todos com mochilas nas costas e sacolas nas mãos, perambulando pelas ruas atrás de doces, e com sorte um brinquedo ou outro. Saía de casa pela manhã e só voltava à noite.
Comecei a refletir sobre a importância desses dias na minha criação. Como aquela liberdade era necessária para expandir meu território pelo bairro, e ser respeitado pelos colegas. De fato, tem lugares do bairro que só fui quando criança, exatamente para correr atrás de doces. No fim do dia, o inventário da jornada e o orgulho da quantidade absurda de doces conseguidos. Lembro que jogávamos as sobras fora somente no natal. Poucas felicidades me parecem tão importantes como essa.
Penso no Rio de hoje e as ruas já não estão cheias como aqueles tempos. Na minha época não havia tantos evangélicos. Sorri. Como ainda estava na primeira cerveja, percebi que são duas privações estúpidas, as que alguns desses religiosos se impõem. Na infância as crianças evangélicas percebem que nunca serão tão felizes quanto as outras. Estão proibidas de participar daquela magnífica orgia de liberdade e doces. Como isso me parece idiota. Deve ser terrível ouvir a gritaria e não poder tomar parte. Os doces são o de menos.
A outra privação estúpida diz respeito á cerveja. Talvez “Cosme e Damião” seja só um treinamento. Terão que viver a vida inteira passando pelos bares e achando aquilo pecaminoso. Possivelmente eles ouvem as mesmas vozes da balbúrdia infantil de setembro, toda vez que passam por um bar. Duvido que deus, ou o que quer que seja, ligue para esses pequenos prazeres.
Acho que fui pouco generoso com meus vizinhos evangélicos. Ainda considero a privação estúpida, mas poderia ser bem pior. Peço a segunda cerveja e penso no outro lado da cidade. Nas crianças entulhadas nos prédios e com seus joguinhos eletrônicos e suas brincadeiras solitárias. Nem a gritaria eles ouvem. Não sabem o que é “Cosme e Damião”. Crescerão sem conhecer o bairro e os vizinhos, serão adolescentes presos aos amigos da escola e ao papai buscar no fim da festa, e pior ainda, serão homens que não saberão o que eu senti quando abri a primeira cerveja. Aleijados.
Aos meus vizinhos evangélicos peço desculpa pela minha grosseria. Realmente é muito melhor ser um evangélico abstêmio do que um playboy bêbado. Ao pessoal do outro lado da cidade está vetado esse maravilhoso convívio. A vocês, todo ano tem “Cosme e Damião”, todo dia tem bar aberto. Estarei esperando por vocês. Tenho certeza que por isso deus não nos castigará. Deixem seus filhos irem pra rua de mochilas, e venham que ainda estou na segunda cerveja.    
  

terça-feira, 6 de outubro de 2009

ETICA DE UM SONHO

            Abri os olhos e estava suado e ofegante. Em baixo de mim uma bela morena gemia a cada movimento pendular meu. Parecia que tinha nascido para isso. Estocava cada vez mais forte, e a cada estocada tinha a certeza de que iria fazer mais dez. Sentia uma prazer gigantesco. Quando cheguei bem perto do clímax, reconheci a mulher: era minha ultima namorada. Não liguei muito, apenas continuei. Fiquei a ponto de gozar, mas na hora h ao invés de gozo senti uma enorme ânsia de vomito. Não pude segurá-la. Vomitei, diga-se de passagem, muito.
            Corri envergonhado e abri a porta do quarto. Do outro lado estava uma outra mulher. Negra, corpulenta, gostosa, nua como a anterior. Não sentia mais o gosto do vômito. Ao invés disso, sentia uma enorme excitação. Não pude me controlar. Montei nela e comecei a meter frenéticamente. Novamente parecia que eu não sabia fazer outra coisa além daquilo. De repente olho para seu rosto e ela está rezando. Com as mãos em súplica reza e chora. Só nesse momento a reconheci, era uma outra ex-namorada. O choro vai aumentando em intensidade até que eu não consigo mais meter. Brochei.
            Levanto-me furioso e sinto novamente o gosto do vômito. Sinto também o gosto de lágrimas. Percebo que estou chorando desbragadamente. Saio do quarto e entro numa festa. Não reconheço ninguém, e ninguém parece me ver. Não havia mais sinais de lágrimas em mim. Batem na porta, uma mulher pequena de pele clara e aparelho nos dentes abre a porta. Era um entregador com um buquê de flores e um uma folha de papel. Ela recebe o buquê, e lê o conteúdo da folha, parece que ouço seus pensamentos. Vejo que o que ela lê é um poema meu. Ela dobra a folha duas vezes e coloca dentro do buquê. Entrega pra alguém o embrulho e pensa: muito previsível. Nesse momento reconheço a voz e o rosto dela. Mais um ex-amor. Sinto um peso enorme sobre mim, como se caísse de um penhasco. O choro e o vômito reaparecem.
            Acordo e estou deitado no sofá. Olho a minha volta e vejo minha roupa espalhada no chão e uma garrafa de vinho vazia. Nenhum copo. Meu último fio de humor pensa: quando estiver bêbado em casa tente ser minimamente civilizado e use um copo. Sorrio. Eu nunca fui muito civilizado. Vejo as horas e já são cinco para as quatro da tarde. Devo ter chegado pela manhã. Estava cansado, mas as paredes da sala me oprimiam. Sem falar no sonho terrível que acabara de ter. Precisava espairecer.
            Começo a andar pelo bairro e o sonho não sai da minha cabeça. As mulheres são como a bebida, se você não se defender pelo menos um pouco elas te destroem. Nunca soube me defender de ambos. Vaz Lobo me pareceu aconchegante naquele fim de tarde. Passo em frente a uma pensão e ainda estão servindo. Entro e sou recebido por uma mulata baixinha e sorridente. Ela me entrega o cardápio e vai a cozinha. Vendo-a por trás percebo que tem uma bunda linda e impinada. E que coxas! Ela volta e peço bife com fritas, acho que nem consultei o cardápio. Qualquer pensão sempre tem esse prato. Termino a refeição e a pensão já não tem mais ninguém. A mulatinha percebe minha satisfação e puxa assunto.
            Quase ninguém almoça essa hora. Os últimos antes de você trabalham no hospital aqui em frente, só por eles ainda não fechamos.
            Sorte a minha. Estava faminto.
            Sorte sua, Azar meu que só saio daqui escurecendo.
            Desculpe, não queria te atrapalhar. Prometo que não venho mais depois das três.
            Ela sorri. Não tem problema. Com você ou não os enfermeiros vêm todo dia. Acho que prefiro que você venha.
            Obrigado, assim eu vou virar freguês. Senta aqui um pouco, todos já foram mesmo.
            Ela sorri e diz que volta em um minuto. Como prometido, ela volta com uma garrafa na mão e um copo. Já não está mais com o avental. Dou uma nova avaliada e vejo uma mulher bem bonita. Belo corpo. Seios durinhos, porém pequenos. Não tinha lá um rosto muito agradável, exceto pelo sorriso que não saía da boca.
            Você aceita um licor? É da minha patroa, mas ela já foi embora.
            Claro. É de quê?
            Banana com canela. É uma delícia, ela só serve para os melhores clientes.
            E você não vai beber?
            Hoje não. Passa aqui na sexta que eu tomo um copo contigo.
            Eu sorri e bebi um copo. Ela prontamente me serviu outro. Estava realmente uma delícia. Fiquei lá mais um quinze minutos papeando e bebendo o licor. Bebi uns quatro. Pedi a conta e fui embora. Ela não me cobrou os licores, nem eu fiz questão de pagar. Saí voltei pra casa e pra cama. Antes de dormir pensei: às vezes a realidade é bem melhor que os sonhos. Dormi como uma pedra.    

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

O SUSTO

Marquei às sete horas com o Bernardo num bar do Engenho de Dentro, mas cheguei seis. A verdade é que íamos passar a tarde tranqüila, eu com minha namorada e ele com a dele, Tomando cerveja e batendo papo, mais nada. Como de costume, briguei com a minha antes de ir. Ela sabia como estragar um bom programa. Fiquei puto e fui sozinho uma hora antes. Veio a calhar. Uma hora de adiantamento me daria um bom tempo para beber e me preparar para uma noite sozinho na companhia de um casal. Nardo é um bom amigo, bom bebedor, e sua namorada também é gente boa. Mas há uma diferença terrível do ritmo em que se bebe dois homens sozinhos e o ritmo de homens acompanhados. Sem falar na conversa.
Já estava na sétima cerveja quando ele chegou. Alegrei-me ao ver que estava sozinho. Pensei: parece que hoje é dia de bebedeira.
E aí Nardo, cadê a patroa?
Não pôde vir, sua irmã esta tendo filho agora.
Que sorte a nossa! Também despachei a minha.
            Nem tanto, vou ter que sair cedo pra buscar ela na maternidade. Mas dá pra tomar umas boas.
            Não me desanimei. Conhecendo meu amigo sei que daqui a doze cervejas ele não sai daqui nem pra buscar a mãe na zona. E como eu já tava sete na frente, não tinha nada a perder. Bebemos e conversamos até as dez da noite. Iam-se lá muitas cervejas e já estávamos igualmente tontos. Como havia previsto, Nardo desmarcou com a namorada. Pegue um táxi. Ele disse com um sorriso deslavado ao telefone. Não pude deixar de rir também.
            Já que não ia buscar ninguém, Nardo já planejava outra busca. Eu como só consumo bebidas, no máximo um fuminho, disse que por mim tava bom ali.  Ele insistiu e tive uma idéia.
            Hoje tem baile na favelinha que o Marcinho mora perto. Podíamos ir pra lá. Você arranja tua parada e depois agente curte o baile.
            Porra Luiz, baile funk de favela no domingo?! Amanhã eu trabalho!
            A gente sai cedo, depois tu tira um cochilo lá em casa e vai direto pro trabalho.
            Era uma proposta irrecusável. Sobretudo depois de tantas cervejas. Pagamos a conta e saímos. Do Engenho de Dentro até Coelho Neto no domingo não passa de meia hora de viagem. Só demoramos mais um pouco por que tivemos que mijar no meio do caminho. Paramos num posto e pegamos algumas latinhas pra não perder a viagem. Quando chegamos Marcinho já estava pronto. Era uma ótima aquisição ao grupo. Outro grande bebedor.
            Da casa do Marcinho até o baile era bem perto. Passávamos por uma pequena ponte sobre um valão fétido. Era verão e o miasma do riacho parecia tornar a atmosfera mais pesada. No final da ponte se encontrava a “feira livre” onde se podia comprar tudo que sua mente pudesse desejar para sair do ar. Nardo fez sua compra. Logo depois do comércio estava o baile. Ainda se podia sentir o miasma.
            Entramos no que chamam de quadra, que mais parecia um galpão abandonado. Quase todas telhas quebradas e os muros não iam até o teto. Percebia-se que as casas eram construídas escoradas no muro. Muitas pessoas moram assim nessa cidade. O baile já tinha começado, ouvia-se o som estridente desde a casa do Marcinho. Mas estava ainda bem vazio. Estranhei pelo fato de ser domingo à noite, já contavam umas onze e meia. Mas Marcinho explicou que só fica cheio depois de uma da manhã. Coitados dos vizinhos. Pegamos três latinhas.
            Não nos arrependemos da viagem. Não demorou e o baile começou a encher, sobretudo de mulheres, todas com shorts minúsculos e mini-blusas sempre exageradamente decotadas. Maravilhoso exagero. A verdade é que não pretendíamos arranjar ninguém, nosso intuito desde o inicio era apenas encher a cara, mas com tamanha oferta e com o nível de libido tão violento no ar, creio que concordamos que não custava nada tentar abaixar uma calcinha naquela noite.
            A verdade é que estávamos bêbados, mas isso não nos atrapalhou. Quase nunca atrapalha. Contudo era óbvio que aquelas garotinhas deliciosas, todas aparentando não mais de que 18 anos, não iam querer nada com agente. Mas todo lugar tem seu lado B. Ao nosso lado tinha um grupo de mulheres mais velhas, que as outras do baile e até mesmo que nós. Ao perceberem que não éramos da comunidade parece que gostaram da idéia. Vai ver que já tinham esgotado aquele poço. Bêbado que estava e cheio de tesão, não deu tempo nem de pensar.
            Oi, tudo bem?
            Tudo, vocês dançam engraçado. Não são daqui não é?
É. Sou amigo do Marcinho, primeira vez que eu venho.
Meu nome é Marta.
Marta, vamos sair daqui. Quero conversar num lugar mais silencioso.
Mas você não me disse seu nome.
Vamos!
Peguei ela pelo braço e saí da quadra. Olhei pra trás no caminho e todos perceberam. Não queria voltar para avisar. Logo em frente havia um muro, encostei ela nele e beijei bem forte. Ela correspondeu. Quando desgrudamos ela perguntou meu nome de novo.
Luiz. Você mora por aqui?
Moro. Eu, minha filha e o marido dela.
Hum, então não da pra ir pra lá né.
Você não acha que esta indo rápido demais?
Não.
Peguei-a novamente pelo braço e puxei em direção a ponte. Vamos pra minha casa então. Ela tentou me convencer a pelo menos voltar e avisar a filha. Quando bebo fico irredutível. Atravessamos a ponte e entramos num táxi. Quando indiquei o caminho ao motorista me arrependi. Podia simplesmente ter ido para casa do Marcinho. Já era.
Por todo o caminho nos beijamos. Beijos molhados, com línguas sobrando pra fora da boca. Sua boca fedia a cigarro. A minha fedia a cerveja. Não reclamamos. Entramos e fomos direto pra cama. Tirei sua blusa e não gostei do que vi. Dois peitos pequenos e murchos, feios mesmo, tanto no tamanho como na forma. Não os chupei. Tirei a bermuda e entreguei-lhe meu pênis. Ela o tocou, também não chupou. As coisas já não iam tão bem quanto no carro. Tirei sua saia e as coisas desandaram de vez. Não pelo que vi, era só uma calcinha dessas de algodão. Tão normal como pode ser uma calcinha. Mas quando fui arriá-la também, ela disparou: Você quer que eu coloque ou você coloca? Entrei em parafuso. Disse a mim mesmo, fudeu! É um veado. Por isso os peitinhos disformes. Por isso o gosto ruim de cigarro. Tirei a mão dela e levantei. Estava pálido. Pensei na besteira que era trazer um veado a minha casa. Será que alguém viu? Que merda que eu fiz. Esses pensamentos duraram dez segundos talvez. Olhei para baixo e vi sua cara de espanto. Na volta, olhei meu pênis ainda em riste. Não havia como voltar atrás. Pelo menos eu gozaria. Tornei a deitar e abaixei a calcinha. Nunca fiquei tão aliviado ao ver uma xoxota. E nem era das mais bonitas. Dei a melhor chupada da minha vida.
Transamos duas vezes e fui vencido pelo cansaço. Ela também já estava satisfeita. Quando deitei não pude deixar de rir silenciosamente da minha loucura. Ela mora com a filha. É claro que não é um travesti. Da onde eu tirei isso? É só um peito murcho.
Pela manhã, fui levá-la ao ponto de ônibus e ela comentou.
Antes de agente transar você levantou pálido por uns segundos, o q houve?
Sorri. Pensei na minha namorada. Ela é a única que transou naquela cama. Acho que não é certo o que eu fiz.
Ela também sorriu. Aquilo era hora de lembrar de namorada! Nunca vi isso. Você deve gostar mesmo dela.
Acho que sim.
Você é um cara legal, Luiz. Foi muito bom.
Pra mim também. Tchau.
Tchau.
Voltei pra casa e dormi como um porco. Acordei com o telefone tocando.
Oi amor, odeio quando agente briga.
Eu também. Pensei tanto em você essa noite. Já está no trabalho?
Já. Quando sair vou praí, tudo bem?
Vem sim. Precisamos fazer as pazes.       
              
              

domingo, 20 de setembro de 2009

SEM ASSUNTO


Desespero. Sabe quando você sente que a única saída é encher a cara? A noite até que estava boa, tinha bebido algumas cervejas com o Pará, mas ele tinha compromisso pela manhã e teve que ir embora. Estranho como quase nunca tenho compromissos pela manhã. Quando ele foi embora bateu o desespero. Uma vontade incontrolável de pirar, sair de mim, ficar na sarjeta. Não agüentei tive que mudar de bar. Pus-me a andar a esmo. Estranhamente não consegui encontrar um lugar para ficar, os botecos pareciam muito comportados, muito limpos, muito jovens. Já havia bebido em muitos deles e nunca tinha tido essa impressão. Alguns eram bons bares, discretos, sem universitários com camisas xadrez e all star. Só gente normal querendo beber e mais nada. Pareciam até silenciosos. Mas não naquela noite.

Já à uma hora de andança, percebi que estava indo pra Lapa. Não era má idéia. O gosto da cerveja já desaparecia de minha boca e lá poderia encontrar um camelô para reabastecer. A idéia de beber cervejas em lata não me incomodou como de costume. Num ambulante poderia beber sem falar, ou seja, com um ou dois gestos a cerveja estaria na minha mão. Tudo que eu não queria era conversar.

Ao chegar a rua Riachuelo, meu destino naquela noite começou a se revelar. Passei pela esquina da rua do Rezende e pensei em Lima Barreto. Ele morou aqui, disse a mim mesmo, será que minha relação com as mulheres vai ser tão pobre quanto a dele? Lima era quase um celibatário e eu estava longe disso. Mas foi assim que me senti. Entrei num bar e pedi cachaça. Cerveja não resolveria meu problema. Bebi uma, duas, na terceira quase vomitei no balcão. Fui ao banheiro mas não saiu nada. Percebi que o motivo dos meus engulhos era o balcão e não a bebida. Paguei e ganhei a Riachuelo de novo, não tinha dado seis passos e fui chamado por uma voz nasal.

Hei, vem cá.

Olhei e era uma figura feia, quase absurda. Grande, pernas grandes, peitos grandes, cara grande. Senti a sensação do balcão novamente. Resisti ao novo engulho e fui.

Olá, você me chamou?

Chamei sim, vamos ali.

Sorri. Fazer o quê minha querida? Ela não percebeu a ironia.

Se você quiser eu te chupo, estou com vontade de chupar um pau.

Com tudo que estava sentindo naquela noite, não me pareceu má idéia, se ela estivesse chupando não poderia conversar, e dar uma gozada é sempre bom. Fomos.

Paramos numa rua pequena, conheço bem a região mas sou incapaz de dizer qual era. Ficamos entre um carro e as grades de um prédio. Não falamos mais nada no caminho, mas sem constrangimento. Estava claro o acordo tácito firmado entre nós. Ela me chuparia e fim. Sem beijos, sem conversas, sem abraços. E foi o que aconteceu. Ela agachou e fez o combinado. Só abri o zíper. Obviamente ela sabia o que fazer e como fazer. Quando acabou levantou-se e foi embora. Só nessa hora percebi o porteiro observando. E veio outro engulho.

Voltei a me dirigir pra Lapa como se fosse um copo vazio. Quando finalmente achei um bom ambulante gesticulei e recebi uma cerveja da lata grande. Não era essa que queria mas me pareceu um bom presságio. Tirei do bolso uma nota e ele não tinha troco. Tentei o bolso de trás onde estaria minha identidade com o dinheiro da passagem de volta. Sorri. Não estavam mais lá. Não pude deixar de pensar que tinha valido muito a pena. Só tinha no plástico da identidade os trocadinhos da passagem. Se ela me cobrasse pelo serviço certamente ganharia uma das notas inteiras do bolso. Não da pra furtar o bolso dá frente enquanto se chupa.

No dia seguinte fui ao cartório fazer uma segunda via da identidade.
Havia uma fila razoável. Por não querer bater papo, estava naquela droga de fila. Foi o único arrependimento. Para me redimir disse ao senhor na minha frente

E esse tempo maluco que não firma heim...

domingo, 13 de setembro de 2009

TRIPLA DERROTA

Confesso, havia bebido bastante. Mas de maneira nenhuma isso é desculpa para a ocorrência desagradável. Nada mais corriqueiro do que me encontrar bêbado num sábado à noite, e isso nunca afetou minha saúde intestinal. Estava eu e alguns amigos numa animada conversa quando me vi só. Nada é mais solitário do que um peido molhado. Derrepente as vozes ficavam distantes e toda minha concentração estava numa simples questão, teria eu me cagado? Meu olhar vagava pelo bar passando desapercebido por ratos, baratas, mulheres gostosas, bêbados, vagabundas de bar, garrafas empoeiradas nas prateleiras enfim, não via nada, só a maldita duvida: acho que me borrei. Nunca havia pensado sobre isso, mas creio agora que essa é uma das piores dúvidas que se pode ter. Alguém sem imaginação diria: pior do que não saber se um filho e seu? Respondo: pior! E te explico por que. Uma duvida da paternidade se resolve sem mais estragos, ou seja, faz-se o exame e temos o resultado: é pai, ou em outras palavras, você não foi corno. Ou então, não é o pai, seu corno! E ta resolvido. A dúvida que me afligia ia alem. Não se tratava mais de estar borrado ou não, o problema é que não havia como descobrir a verdade sem um grande constrangimento. Ainda que estivesse bêbado tive discernimento para enumerar as opções.

Primeira opção: eu poderia pedir para alguém verificar pra mim. Essa é na minha opinião a mais idiota das opções. Numa mesa com cinco bêbados todos perceberiam e fariam uma algazarra sem tamanho. Seria humilhante. Engraçado, mas humilhante.

Segunda opção: deixar pra lá. Cagado ou não a cerveja tava gelada, a conversa tava boa, essa minha preocupação logo passaria. Disfarça que estava viajando em teorias escatológicas e pede mais uma.

Terceira opção: discretamente, e na minha mente de bêbado isso era possível, colocar a mão dentro das calças e verificar. Pronto. Ninguém perceberia e eu sanaria essa dúvida nojenta que pairava sobre minha cabeça.

Acho que ficou claro que optei pela terceira. Se você concordou comigo que esta era a mais lógica, você é tão imbecil quanto eu. Pra começar não há como meter a mão dentro das calças por trás num bar e ninguém perceber. Repito não dá. Passei pela humilhação de todos perceberem que eu estava cagado, e merecidamente fui zoado. Alem disso, e muito pior, se antes eu estava cagado, agora estava cagado e com a mão suja de merda. Deveria ter me contentado com a duvida até chegar em casa onde não passaria por esta situação. Dupla derrota.

Quanto ao titúlo, já estava cagado e com a mão suja de merda. Só me restava o instinto mais escroto da natureza humana. Tive que cheirar minha mão.