terça-feira, 26 de março de 2013

MACONDO, 5 DE MARÇO DE 2013


Viajar nos deixa em contato com o que há de mais elementar em nossa existência. Não há nada mais elementar na existência humana que a solidão. Ao nascermos temos nosso ultimo momento de companhia da vida, e quando cortam o cordão está feito, não tem volta. As mães são os únicos seres da criação que podem vencê-la, e esse vislumbre de companhia se converte em condenação eterna, pois se são capazes de não estarem sós por um tempo, vão viver na carne a tristeza de amar alguém de uma forma que não pode ser retribuída. Entre mãe e filho não se troca amor, ele se dá a tal distancia, e o de um é tão diferente do outro, que seu resultado é sempre o mesmo, solidão.
Cheguei nessa cidadezinha do cu do mundo para vê-la e nada mais. Não tenho compromissos, interesses ou mesmo um passa tempo. Queria vê-la e foi isso que eu fiz. Quando a vi percebi que estava só. O homem, cuja solidão iniciada jamais termina, vive com essa ilusão insuportável de que ela pode ser vencida. O amor. A esperança de que existe alguém nesse mundo que pode salvá-lo do destino inexorável. Eu digo que o amor é a pior solidão. Encontrar alguém em que se deposita tudo que se pode dar de bom, e ainda sim não ser capaz, nem por um segundo, de sentir o que o outro sente. O amor confunde empatia com companhia. Não há companhia.
Como cheguei cedo, ela só sairia para o almoço em algumas horas, encontrei uma “venda” dessas de novela de interior e pedi uma cerveja. O pátio da venda tinha quatro janelas enormes de madeira todas abertas que a tornavam menos escura, e seu dono era um senhor de cabeça branca e olhar simpático, desses que espancam a mulher e depois se masturbam sussurrando a Ave Maria. Depois de algumas cervejas me dei ao luxo de considerá-lo um bom homem e de ver algum charme em toda aquela desolação. O silêncio do interior é perfeito para beber sozinho. As nove da manhã começaram a chegar os cachaceiros do dia a dia, e eu já estava alto o suficiente para aguentar a barra. Como era óbvio que eu era estranho àquele lugar, respondi as perguntas habituais com bom humor e até bebi uma ou duas pingas pra me entrosar.
As onze e pouco, como se tivessem desligado o ventilador, a brisa terminou bruscamente e a atmosfera se tornou opressiva até na sombra do bar. Foi como um apito de fábrica, pois todos os matutos se retiraram imediatamente e a venda fechou. Mesmo sem entender saí também. Lá fora encontrei um calor insuportável que encharcou minha roupa de suor no mesmo instante, resolvi que ia esperá-la na porta do trabalho, mas como o sol estava violento tive que entrar. Lá dentro, tive que aguentar um pouco mais de meia hora de puro tesão ao observá-la trabalhando. Seu decote deixava claro que seus peitos eram incrivelmente macios e empinados, e toda vez que ela debruçava no balcão eu sentia dilatar. Era obvio que já estava bêbado, mas o fato é que mulheres trabalhando me excitam, principalmente a minha.
O almoço transcorreu com a indiferença que os encontros à mesa pedem. Sem toques, sem beijos. No máximo olhares, e mesmo assim sem nenhum desejo. A atmosfera de interior me deixava estranhamente formal. Tímido. A comida era ótima, mas a cerveja não gosta de concorrentes sólidos, então comi como um jóquei. Na saída o apito da fábrica voltou a soar e o vento soprou contra trazendo de volta à rua os cachaceiros da manhã. Eu não era mais um deles. Senti o calor me deteriorando aos poucos como se derretesse. Olho pra baixo e vejo meus pés se desfazendo em pó e subindo numa corrente de ar que terminava no corpo dela. A cada passo a correnteza da brisa levava mais do meu corpo desfeito em poeira. Ainda sentia meus movimentos como se estivesse andando, mas de fato o vento estava transferindo minha existência física para seu corpo. Quando a rajada de vento derradeira levou meus olhos, pude ver o caminho que terminava em seu ventre até que tudo se fez escuro. Ainda sentia o ritmo de passos, mas não eram mais os meus.
Quando acordei havia vômito por todo lado. Estava numa cama de motel e sentia o gosto do calor que me derretera nos últimos momentos de minha consciência. Precisava cagar e ao levantar escorreguei numa poça piorando tudo. Sentei no vaso e fiz meu trabalho com sofreguidão. Quando me levanto sou surpreendido por um sapo saltando de dentro do vaso coberto de merda. Ele como eu saltou tarde demais.