segunda-feira, 28 de setembro de 2009

O SUSTO

Marquei às sete horas com o Bernardo num bar do Engenho de Dentro, mas cheguei seis. A verdade é que íamos passar a tarde tranqüila, eu com minha namorada e ele com a dele, Tomando cerveja e batendo papo, mais nada. Como de costume, briguei com a minha antes de ir. Ela sabia como estragar um bom programa. Fiquei puto e fui sozinho uma hora antes. Veio a calhar. Uma hora de adiantamento me daria um bom tempo para beber e me preparar para uma noite sozinho na companhia de um casal. Nardo é um bom amigo, bom bebedor, e sua namorada também é gente boa. Mas há uma diferença terrível do ritmo em que se bebe dois homens sozinhos e o ritmo de homens acompanhados. Sem falar na conversa.
Já estava na sétima cerveja quando ele chegou. Alegrei-me ao ver que estava sozinho. Pensei: parece que hoje é dia de bebedeira.
E aí Nardo, cadê a patroa?
Não pôde vir, sua irmã esta tendo filho agora.
Que sorte a nossa! Também despachei a minha.
            Nem tanto, vou ter que sair cedo pra buscar ela na maternidade. Mas dá pra tomar umas boas.
            Não me desanimei. Conhecendo meu amigo sei que daqui a doze cervejas ele não sai daqui nem pra buscar a mãe na zona. E como eu já tava sete na frente, não tinha nada a perder. Bebemos e conversamos até as dez da noite. Iam-se lá muitas cervejas e já estávamos igualmente tontos. Como havia previsto, Nardo desmarcou com a namorada. Pegue um táxi. Ele disse com um sorriso deslavado ao telefone. Não pude deixar de rir também.
            Já que não ia buscar ninguém, Nardo já planejava outra busca. Eu como só consumo bebidas, no máximo um fuminho, disse que por mim tava bom ali.  Ele insistiu e tive uma idéia.
            Hoje tem baile na favelinha que o Marcinho mora perto. Podíamos ir pra lá. Você arranja tua parada e depois agente curte o baile.
            Porra Luiz, baile funk de favela no domingo?! Amanhã eu trabalho!
            A gente sai cedo, depois tu tira um cochilo lá em casa e vai direto pro trabalho.
            Era uma proposta irrecusável. Sobretudo depois de tantas cervejas. Pagamos a conta e saímos. Do Engenho de Dentro até Coelho Neto no domingo não passa de meia hora de viagem. Só demoramos mais um pouco por que tivemos que mijar no meio do caminho. Paramos num posto e pegamos algumas latinhas pra não perder a viagem. Quando chegamos Marcinho já estava pronto. Era uma ótima aquisição ao grupo. Outro grande bebedor.
            Da casa do Marcinho até o baile era bem perto. Passávamos por uma pequena ponte sobre um valão fétido. Era verão e o miasma do riacho parecia tornar a atmosfera mais pesada. No final da ponte se encontrava a “feira livre” onde se podia comprar tudo que sua mente pudesse desejar para sair do ar. Nardo fez sua compra. Logo depois do comércio estava o baile. Ainda se podia sentir o miasma.
            Entramos no que chamam de quadra, que mais parecia um galpão abandonado. Quase todas telhas quebradas e os muros não iam até o teto. Percebia-se que as casas eram construídas escoradas no muro. Muitas pessoas moram assim nessa cidade. O baile já tinha começado, ouvia-se o som estridente desde a casa do Marcinho. Mas estava ainda bem vazio. Estranhei pelo fato de ser domingo à noite, já contavam umas onze e meia. Mas Marcinho explicou que só fica cheio depois de uma da manhã. Coitados dos vizinhos. Pegamos três latinhas.
            Não nos arrependemos da viagem. Não demorou e o baile começou a encher, sobretudo de mulheres, todas com shorts minúsculos e mini-blusas sempre exageradamente decotadas. Maravilhoso exagero. A verdade é que não pretendíamos arranjar ninguém, nosso intuito desde o inicio era apenas encher a cara, mas com tamanha oferta e com o nível de libido tão violento no ar, creio que concordamos que não custava nada tentar abaixar uma calcinha naquela noite.
            A verdade é que estávamos bêbados, mas isso não nos atrapalhou. Quase nunca atrapalha. Contudo era óbvio que aquelas garotinhas deliciosas, todas aparentando não mais de que 18 anos, não iam querer nada com agente. Mas todo lugar tem seu lado B. Ao nosso lado tinha um grupo de mulheres mais velhas, que as outras do baile e até mesmo que nós. Ao perceberem que não éramos da comunidade parece que gostaram da idéia. Vai ver que já tinham esgotado aquele poço. Bêbado que estava e cheio de tesão, não deu tempo nem de pensar.
            Oi, tudo bem?
            Tudo, vocês dançam engraçado. Não são daqui não é?
É. Sou amigo do Marcinho, primeira vez que eu venho.
Meu nome é Marta.
Marta, vamos sair daqui. Quero conversar num lugar mais silencioso.
Mas você não me disse seu nome.
Vamos!
Peguei ela pelo braço e saí da quadra. Olhei pra trás no caminho e todos perceberam. Não queria voltar para avisar. Logo em frente havia um muro, encostei ela nele e beijei bem forte. Ela correspondeu. Quando desgrudamos ela perguntou meu nome de novo.
Luiz. Você mora por aqui?
Moro. Eu, minha filha e o marido dela.
Hum, então não da pra ir pra lá né.
Você não acha que esta indo rápido demais?
Não.
Peguei-a novamente pelo braço e puxei em direção a ponte. Vamos pra minha casa então. Ela tentou me convencer a pelo menos voltar e avisar a filha. Quando bebo fico irredutível. Atravessamos a ponte e entramos num táxi. Quando indiquei o caminho ao motorista me arrependi. Podia simplesmente ter ido para casa do Marcinho. Já era.
Por todo o caminho nos beijamos. Beijos molhados, com línguas sobrando pra fora da boca. Sua boca fedia a cigarro. A minha fedia a cerveja. Não reclamamos. Entramos e fomos direto pra cama. Tirei sua blusa e não gostei do que vi. Dois peitos pequenos e murchos, feios mesmo, tanto no tamanho como na forma. Não os chupei. Tirei a bermuda e entreguei-lhe meu pênis. Ela o tocou, também não chupou. As coisas já não iam tão bem quanto no carro. Tirei sua saia e as coisas desandaram de vez. Não pelo que vi, era só uma calcinha dessas de algodão. Tão normal como pode ser uma calcinha. Mas quando fui arriá-la também, ela disparou: Você quer que eu coloque ou você coloca? Entrei em parafuso. Disse a mim mesmo, fudeu! É um veado. Por isso os peitinhos disformes. Por isso o gosto ruim de cigarro. Tirei a mão dela e levantei. Estava pálido. Pensei na besteira que era trazer um veado a minha casa. Será que alguém viu? Que merda que eu fiz. Esses pensamentos duraram dez segundos talvez. Olhei para baixo e vi sua cara de espanto. Na volta, olhei meu pênis ainda em riste. Não havia como voltar atrás. Pelo menos eu gozaria. Tornei a deitar e abaixei a calcinha. Nunca fiquei tão aliviado ao ver uma xoxota. E nem era das mais bonitas. Dei a melhor chupada da minha vida.
Transamos duas vezes e fui vencido pelo cansaço. Ela também já estava satisfeita. Quando deitei não pude deixar de rir silenciosamente da minha loucura. Ela mora com a filha. É claro que não é um travesti. Da onde eu tirei isso? É só um peito murcho.
Pela manhã, fui levá-la ao ponto de ônibus e ela comentou.
Antes de agente transar você levantou pálido por uns segundos, o q houve?
Sorri. Pensei na minha namorada. Ela é a única que transou naquela cama. Acho que não é certo o que eu fiz.
Ela também sorriu. Aquilo era hora de lembrar de namorada! Nunca vi isso. Você deve gostar mesmo dela.
Acho que sim.
Você é um cara legal, Luiz. Foi muito bom.
Pra mim também. Tchau.
Tchau.
Voltei pra casa e dormi como um porco. Acordei com o telefone tocando.
Oi amor, odeio quando agente briga.
Eu também. Pensei tanto em você essa noite. Já está no trabalho?
Já. Quando sair vou praí, tudo bem?
Vem sim. Precisamos fazer as pazes.       
              
              

domingo, 20 de setembro de 2009

SEM ASSUNTO


Desespero. Sabe quando você sente que a única saída é encher a cara? A noite até que estava boa, tinha bebido algumas cervejas com o Pará, mas ele tinha compromisso pela manhã e teve que ir embora. Estranho como quase nunca tenho compromissos pela manhã. Quando ele foi embora bateu o desespero. Uma vontade incontrolável de pirar, sair de mim, ficar na sarjeta. Não agüentei tive que mudar de bar. Pus-me a andar a esmo. Estranhamente não consegui encontrar um lugar para ficar, os botecos pareciam muito comportados, muito limpos, muito jovens. Já havia bebido em muitos deles e nunca tinha tido essa impressão. Alguns eram bons bares, discretos, sem universitários com camisas xadrez e all star. Só gente normal querendo beber e mais nada. Pareciam até silenciosos. Mas não naquela noite.

Já à uma hora de andança, percebi que estava indo pra Lapa. Não era má idéia. O gosto da cerveja já desaparecia de minha boca e lá poderia encontrar um camelô para reabastecer. A idéia de beber cervejas em lata não me incomodou como de costume. Num ambulante poderia beber sem falar, ou seja, com um ou dois gestos a cerveja estaria na minha mão. Tudo que eu não queria era conversar.

Ao chegar a rua Riachuelo, meu destino naquela noite começou a se revelar. Passei pela esquina da rua do Rezende e pensei em Lima Barreto. Ele morou aqui, disse a mim mesmo, será que minha relação com as mulheres vai ser tão pobre quanto a dele? Lima era quase um celibatário e eu estava longe disso. Mas foi assim que me senti. Entrei num bar e pedi cachaça. Cerveja não resolveria meu problema. Bebi uma, duas, na terceira quase vomitei no balcão. Fui ao banheiro mas não saiu nada. Percebi que o motivo dos meus engulhos era o balcão e não a bebida. Paguei e ganhei a Riachuelo de novo, não tinha dado seis passos e fui chamado por uma voz nasal.

Hei, vem cá.

Olhei e era uma figura feia, quase absurda. Grande, pernas grandes, peitos grandes, cara grande. Senti a sensação do balcão novamente. Resisti ao novo engulho e fui.

Olá, você me chamou?

Chamei sim, vamos ali.

Sorri. Fazer o quê minha querida? Ela não percebeu a ironia.

Se você quiser eu te chupo, estou com vontade de chupar um pau.

Com tudo que estava sentindo naquela noite, não me pareceu má idéia, se ela estivesse chupando não poderia conversar, e dar uma gozada é sempre bom. Fomos.

Paramos numa rua pequena, conheço bem a região mas sou incapaz de dizer qual era. Ficamos entre um carro e as grades de um prédio. Não falamos mais nada no caminho, mas sem constrangimento. Estava claro o acordo tácito firmado entre nós. Ela me chuparia e fim. Sem beijos, sem conversas, sem abraços. E foi o que aconteceu. Ela agachou e fez o combinado. Só abri o zíper. Obviamente ela sabia o que fazer e como fazer. Quando acabou levantou-se e foi embora. Só nessa hora percebi o porteiro observando. E veio outro engulho.

Voltei a me dirigir pra Lapa como se fosse um copo vazio. Quando finalmente achei um bom ambulante gesticulei e recebi uma cerveja da lata grande. Não era essa que queria mas me pareceu um bom presságio. Tirei do bolso uma nota e ele não tinha troco. Tentei o bolso de trás onde estaria minha identidade com o dinheiro da passagem de volta. Sorri. Não estavam mais lá. Não pude deixar de pensar que tinha valido muito a pena. Só tinha no plástico da identidade os trocadinhos da passagem. Se ela me cobrasse pelo serviço certamente ganharia uma das notas inteiras do bolso. Não da pra furtar o bolso dá frente enquanto se chupa.

No dia seguinte fui ao cartório fazer uma segunda via da identidade.
Havia uma fila razoável. Por não querer bater papo, estava naquela droga de fila. Foi o único arrependimento. Para me redimir disse ao senhor na minha frente

E esse tempo maluco que não firma heim...

domingo, 13 de setembro de 2009

TRIPLA DERROTA

Confesso, havia bebido bastante. Mas de maneira nenhuma isso é desculpa para a ocorrência desagradável. Nada mais corriqueiro do que me encontrar bêbado num sábado à noite, e isso nunca afetou minha saúde intestinal. Estava eu e alguns amigos numa animada conversa quando me vi só. Nada é mais solitário do que um peido molhado. Derrepente as vozes ficavam distantes e toda minha concentração estava numa simples questão, teria eu me cagado? Meu olhar vagava pelo bar passando desapercebido por ratos, baratas, mulheres gostosas, bêbados, vagabundas de bar, garrafas empoeiradas nas prateleiras enfim, não via nada, só a maldita duvida: acho que me borrei. Nunca havia pensado sobre isso, mas creio agora que essa é uma das piores dúvidas que se pode ter. Alguém sem imaginação diria: pior do que não saber se um filho e seu? Respondo: pior! E te explico por que. Uma duvida da paternidade se resolve sem mais estragos, ou seja, faz-se o exame e temos o resultado: é pai, ou em outras palavras, você não foi corno. Ou então, não é o pai, seu corno! E ta resolvido. A dúvida que me afligia ia alem. Não se tratava mais de estar borrado ou não, o problema é que não havia como descobrir a verdade sem um grande constrangimento. Ainda que estivesse bêbado tive discernimento para enumerar as opções.

Primeira opção: eu poderia pedir para alguém verificar pra mim. Essa é na minha opinião a mais idiota das opções. Numa mesa com cinco bêbados todos perceberiam e fariam uma algazarra sem tamanho. Seria humilhante. Engraçado, mas humilhante.

Segunda opção: deixar pra lá. Cagado ou não a cerveja tava gelada, a conversa tava boa, essa minha preocupação logo passaria. Disfarça que estava viajando em teorias escatológicas e pede mais uma.

Terceira opção: discretamente, e na minha mente de bêbado isso era possível, colocar a mão dentro das calças e verificar. Pronto. Ninguém perceberia e eu sanaria essa dúvida nojenta que pairava sobre minha cabeça.

Acho que ficou claro que optei pela terceira. Se você concordou comigo que esta era a mais lógica, você é tão imbecil quanto eu. Pra começar não há como meter a mão dentro das calças por trás num bar e ninguém perceber. Repito não dá. Passei pela humilhação de todos perceberem que eu estava cagado, e merecidamente fui zoado. Alem disso, e muito pior, se antes eu estava cagado, agora estava cagado e com a mão suja de merda. Deveria ter me contentado com a duvida até chegar em casa onde não passaria por esta situação. Dupla derrota.

Quanto ao titúlo, já estava cagado e com a mão suja de merda. Só me restava o instinto mais escroto da natureza humana. Tive que cheirar minha mão.