sábado, 22 de setembro de 2012

CBB

               Lembro que de 5 em 5 minutos chovia uma garoa fina e gelada. Não deixei que isso me desanimasse e cheguei cedo, portanto já estava “alto” quando começou. Grande homem no palco. Latinha na mão, canções sobre cerveja e mulheres, e um protuberante tumor na garganta. Não que eu fosse grande fã ou coisa parecida, mas me lembro perfeitamente da energia etílica que emanava do palco e nos ajudava a esquecer a chuva. A energia e muita cerveja. Quanto ao show, foi incrível. Uma gaita sobrenatural acompanhava a guitarra, e a voz de quem a birita e a vida já deve ter batido muito, cantava sempre um blues. Saí de lá extasiado e bêbado.
               Depois do show fui beber mais algumas num quiosque por perto, com um casal de amigas e uns conhecidos delas. Mais algumas cervejas adiante, por algum motivo, todos decidiram ir para o camping tomar banho e se trocar. Eu, como já estava tocado, fui pra outro bar sozinho. Deixei-me levar pelo uísque por umas três horas e decidi mudar novamente de bar. Queria uma boa cerveja pra manter minha bebedeira onde estava. Existe algum mecanismo diferente em beber sozinho num lugar desconhecido. O meu plano de tomar uma cervejinha foi abortado, para dar lugar a comprar uma garrafa de uísque no mercadinho e um saco de gelo. Ás vezes, simplesmente, as coisas não dão certo.
               Meu pai era da geração daquele guitarrista. Lembro-me inclusive de vê-los uma ou outra vez conversando. Era um bom homem meu pai. Viveu os anos 70 como um clichê. Um bom clichê. E como a maioria das pessoas sensíveis dos anos 70, não resistiu aos 80, ou melhor, não resistiram ao Pablo Escobar. Assim como Copacabana, como o Rock’N Roll, como o muro; assim como o Brizola, como o amor livre, como o Belchior. Meu pai morreu em 95 e o guitarrista morreu hoje.
               Pensei nisso porque me assustou como estou parecido com a imagem que faço do meu pai. Estava eu completamente bêbado na Região dos Lagos, com uma garrafa de Buchanan’s, um saco de gelo, e absolutamente desamparado. No palco, alguma atração internacional desconhecida pra mim, o que pouco importava, pois já não conseguia me concentrar em quase nada. De fato ainda ouvia um blues, “vou procurar de vela acesa...”, mas ainda era o guitarrista do tempo do meu pai.
               Na minha loucura, decidi procurar um motel para dar uma cagada e, não sei por que motivo, aluguei um quarto para o fim de semana inteiro. Ainda agora não entendi isso. Lembro-me de defecar, tomar um banho, deitar na cama com um copo cheio, e simplesmente voltar a mim. Puto! Trezentas pratas a menos. O que eu estava fazendo num muquifo daqueles? Gastei meu dinheiro para os 3 dias em 2 horas. Merda de nostalgia. Fiquei sóbrio na hora. O mais difícil de estar sozinho é perder toda a perspectiva de encontrar compreensão, E naquele momento eu desisti. Bebi o copo num gole só e enchi outro. Fiquei nesse ritmo até voltar ao conforto. Às vezes beber é uma questão de conforto. Dormi por uma ou duas horas e acordei com o telefone, Lagarto e Alan chegaram à cidade e queriam beber. Ainda tinha um uísque mais que pela metade. Agora eu tinha pra onde ir. Era um bom início de noite. Ainda eram 23 horas.
               Hoje morreu o guitarrista fantástico daquele dia. Também seria aniversário do meu pai. Sabem o que isso quer dizer? Nada. Talvez tenha sido convidado para festa. Será que o Pablo Escobar fornece para as festas no inferno? Tomara!

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

UM POUCO DE POESIA...(Coeur de pierre)

Tão belo que tu olhas,
Que nem olhar parece.
Mais parece sugar, assimilar,
Tomar pra si toda beleza que a rodeia.

Tão belo que tu olhas,
Que ao ver-te murchou
A mais bela flor que desabrochava,
Ao sentir tomada
Toda beleza de que se orgulhava,
Morreu de vergonha em apenas um olhar.
Tão belo que tu olhas.

Tão belo que tu olhas,
Que se deus eu fosse
Nunca te permitirias as pálpebras cerrar
Se já crime seria apenas um piscar,
Quanto mais por um longo período esse brilho apagar
Tão belo que tu olhas

Tão belo que tu olhas
Que desabonastes a perfeição
Em ser o melhor
Tornastes a perfeição apenas ausência de falhas
Falhas estas que escassas em ti
Multiplicam-se em tudo que enquadras no olhar
Tão belo que tu olhas

Tão belo que tu olhas?
Que tolice a minha!
Tu não olhas.
Eu é que te olho.


terça-feira, 3 de julho de 2012

INTERLOCUTOR

- A nossa vida é a loucura?

- Não. São duas coisas diferentes, a Loucura e a Vida. A Loucura é uma deusa enorme, gorda, hedionda. Em um de seus quatro braços ela segura uma garrafa de uísque, em outro uma seringa com heroína, no outro uma navalha enferrujada. Seu quarto braço, com uma mão desproporcional, segura nosso corpo pela cintura como se fôssemos um boneco de pano, frágil e débil. Sua face horrenda ri como um retardado embriagado e seus seios secretam ácido lisérgico direto em nossa boca. Em sua dança frenética ela brinca com nosso corpo enquanto nos entorpece com sua miríade de artimanhas tóxicas. Podemos até lutar no começo, mas terminamos por aceitar suas doses e até gostamos, apesar dos cortes de navalha arderem como se fossem tiros de trinta e oito. Ela vive na entrada de uma caverna e não tem o costume de caçar. Normalmente suas vitimas é que vão à sua procura.

- Mas por que a procuramos?

- Por causa da Vida. A Vida é um demônio que vive na mesma caverna. Ela tem cabelos negros e os olhos como dois jamelões maduros. Sua pele macia tem a textura de uma folha de boldo e dizem possuir os mesmos poderes teúrgicos. Ela observa nossa luta com a Loucura com desinteresse e até mesmo tédio. Nunca conseguimos vê-la por mais que um relance.

- Se não conseguimos nem mesmo vê-la porque suportamos a Loucura?

- Às vezes, só às vezes, depois de horas lutando contra nós, a Loucura se deixa adormecer, embora nem mesmo assim nos solte. Entorpecidos que estamos, ficamos entregues ao nosso destino naquelas mãos grosseiras, sem forças para reagir. Nesse breve instante a Vida se aproxima até sua face tocar a nossa. Mesmo em nossos pesadelos introspectivos podemos sentir a suavidade de seu toque. Ela nos beija docemente e todo o delírio e pavor se convertem num sorriso abobalhado. Quando acordamos, temos apenas uma vaga impressão do acontecido. Na verdade, facilmente tomamos essa impressão por um sonho. Resta a opção de fugir ou de acordar a Loucura para mais um round.

- Então é quase impossível encontrar com essa Vida...

- Não tenho certeza. Ainda não a procurei nas milhares de outras cavernas em volta em que a Loucura não esta guardando a entrada.