quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

TÍSICO


Ouço sua voz gemendo meu nome e me ponho alerta, em riste. Procuro teu corpo adormecido de índia, a boca aberta, nua e de costas, para encaixar-me entre suas pernas e reiniciar os trabalhos. Estou só. Nem pele de boldo, nem olhos de jamelão. O fedor do meu suor de penicilina em nada lembra o cheiro forte do teu desejo. Minha cama pequena e acanhada é a marca do meu destino sobre esse planeta. Não há conforto. O antibiótico me nega o uísque, a febre me nega a brisa do mar, o catarro me nega a agua gelada, a tosse me nega até um suspirar. Minha cela de franciscano dá a impressão de austeridade e paz, mas não ha paz. A palavra é desolação. Aos remédios que me tiram o paladar recorro por puro medo da morte. Mas não tem jeito. Sei que morrerei esta manhã para renascer à tarde ainda decrepito
Acordo novamente e já não tenho a sensação de sua presença. A solidão de fato é melhor que te procurar como um amputado a ter câimbras no membro que já não existe. Tomo um banho e sinto a febre escorrer pelo ralo junto com a sujeira do meu corpo. Não me sinto bem, mas já me sinto melhor. A doença não me preocupa, posso até mesmo antever sua cura. Assim como posso novamente acreditar que em breve estarei com você. Cinco ou seis dias, nada demais. 
Oscilo entre a morte certa e a esperança no restabelecimento nos intervalos do antitérmico. É como transitar entre duas existências igualmente desconfortáveis. Já não me preocupa a temperatura do dia, a estação do ano, ou a fase da lua. Minha doença é minha vida e nela posso confiar. É solida como a espessura do muco, que quando não tenho mais forças para tossir, vomito. No delírio da minha febre, ajudada pela atmosfera feérica causada pelo pouco ar nos pulmões, tenho medo que meu quarto inteiro, não eu, esteja deixando esse mundo. Sinto o castigo de Sapatá e o quase abandono de Eleguá. Mas não. Ouço as vozes do lado de fora e me certifico de meu endereço. É a rua da amargura, onde mora meu vizinho Major, e, por conseguinte, também moro eu. Seu violão lamenta a falta de alguém que não lhe amava, meu corpo reclama sua falta.