Viajar nos
deixa em contato com o que há de mais elementar em nossa existência. Não há
nada mais elementar na existência humana que a solidão. Ao nascermos temos
nosso ultimo momento de companhia da vida, e quando cortam o cordão está feito,
não tem volta. As mães são os únicos seres da criação que podem vencê-la, e
esse vislumbre de companhia se converte em condenação eterna, pois se são
capazes de não estarem sós por um tempo, vão viver na carne a tristeza de amar alguém
de uma forma que não pode ser retribuída. Entre mãe e filho não se troca amor,
ele se dá a tal distancia, e o de um é tão diferente do outro, que seu
resultado é sempre o mesmo, solidão.
Cheguei nessa
cidadezinha do cu do mundo para vê-la e nada mais. Não tenho compromissos,
interesses ou mesmo um passa tempo. Queria vê-la e foi isso que eu fiz. Quando a
vi percebi que estava só. O homem, cuja solidão iniciada jamais termina, vive
com essa ilusão insuportável de que ela pode ser vencida. O amor. A esperança
de que existe alguém nesse mundo que pode salvá-lo do destino inexorável. Eu
digo que o amor é a pior solidão. Encontrar alguém em que se deposita tudo que
se pode dar de bom, e ainda sim não ser capaz, nem por um segundo, de sentir o
que o outro sente. O amor confunde empatia com companhia. Não há companhia.
Como cheguei
cedo, ela só sairia para o almoço em algumas horas, encontrei uma “venda”
dessas de novela de interior e pedi uma cerveja. O pátio da venda tinha quatro
janelas enormes de madeira todas abertas que a tornavam menos escura, e seu
dono era um senhor de cabeça branca e olhar simpático, desses que espancam a
mulher e depois se masturbam sussurrando a Ave Maria. Depois de algumas cervejas
me dei ao luxo de considerá-lo um bom homem e de ver algum charme em toda
aquela desolação. O silêncio do interior é perfeito para beber sozinho. As nove
da manhã começaram a chegar os cachaceiros do dia a dia, e eu já estava alto o suficiente
para aguentar a barra. Como era óbvio que eu era estranho àquele lugar,
respondi as perguntas habituais com bom humor e até bebi uma ou duas pingas pra
me entrosar.
As onze e
pouco, como se tivessem desligado o ventilador, a brisa terminou bruscamente e
a atmosfera se tornou opressiva até na sombra do bar. Foi como um apito de
fábrica, pois todos os matutos se retiraram imediatamente e a venda fechou. Mesmo
sem entender saí também. Lá fora encontrei um calor insuportável que encharcou
minha roupa de suor no mesmo instante, resolvi que ia esperá-la na porta do
trabalho, mas como o sol estava violento tive que entrar. Lá dentro, tive que
aguentar um pouco mais de meia hora de puro tesão ao observá-la trabalhando. Seu
decote deixava claro que seus peitos eram incrivelmente macios e empinados, e
toda vez que ela debruçava no balcão eu sentia dilatar. Era obvio que já estava
bêbado, mas o fato é que mulheres trabalhando me excitam, principalmente a
minha.
O almoço
transcorreu com a indiferença que os encontros à mesa pedem. Sem toques, sem
beijos. No máximo olhares, e mesmo assim sem nenhum desejo. A atmosfera de
interior me deixava estranhamente formal. Tímido. A comida era ótima, mas a
cerveja não gosta de concorrentes sólidos, então comi como um jóquei. Na saída o
apito da fábrica voltou a soar e o vento soprou contra trazendo de volta à rua
os cachaceiros da manhã. Eu não era mais um deles. Senti o calor me
deteriorando aos poucos como se derretesse. Olho pra baixo e vejo meus pés se
desfazendo em pó e subindo numa corrente de ar que terminava no corpo dela. A cada
passo a correnteza da brisa levava mais do meu corpo desfeito em poeira. Ainda
sentia meus movimentos como se estivesse andando, mas de fato o vento estava
transferindo minha existência física para seu corpo. Quando a rajada de vento
derradeira levou meus olhos, pude ver o caminho que terminava em seu ventre até
que tudo se fez escuro. Ainda sentia o ritmo de passos, mas não eram mais os
meus.
Quando acordei
havia vômito por todo lado. Estava numa cama de motel e sentia o gosto do calor
que me derretera nos últimos momentos de minha consciência. Precisava cagar e
ao levantar escorreguei numa poça piorando tudo. Sentei no vaso e fiz meu
trabalho com sofreguidão. Quando me levanto sou surpreendido por um sapo
saltando de dentro do vaso coberto de merda. Ele como eu saltou tarde demais.
admito e admiro!
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