Não existe saudade no escuro. No escuro são todas iguais. Rio e Joao
Pessoa, inferno e paraíso, morte e vida, amor e paixão. Idênticos. E os
arrepios lisérgicos parecem igualar mais as experiências de forma a acreditar
que não existe geografia, só percepção. A solidão parece invenção do egoísmo,
veja você: ventilador, teto, copo, uísque, geladeira, computador... mil homens
e mulheres envolvidos na sua tarefa. Sinto que desde Adão nenhum homem esteve
só. A única solidão é a companhia de deus. Não estou só.
Meus gestos alterados fazem meu corpo de mamute pender pra frente e pra
trás como um autista do cinema. Não sei o que estou fazendo. Escrevo sem
roteiro esperando que as palavras me venham, mas não me preocupo. Gonzo,
bitnik, realismo fantástico, não importa. Nenhum deles sou eu. Uma legião de
Eguns possivelmente está me rodeando e ainda sim foda-se. Também não sou
espirita. O passado e o imponderável não me inspiram mais que o incomodo das
minhas pernas de chinês de frente a tela dessa geringonça. Não possuo uma mesa.
Como também não tenho uma casa, um trabalho, uma pátria, um nome, ou uma vó.
Não sou confiável. Meus vizinhos só me dão bom dia apegados no meu sotaque de
“americano” e no meu sorriso fácil. Quando acabar de perder meus dentes sei que
não ouvirei mais esse comprimento e nem sentirei falta.
A cada duas frases tenho que interromper a escrita porque o auto corretor
parece que não prevê a primeira pessoa. Ou isso, ou minha concordância é
péssima, o que não descarto. Mas também não previam a primeira pessoa o
batalhão de professores que tive até hoje, e sempre tentaram fazer de mim um
desajustado ou um discípulo. O pior imbecil é aquele que vê sabedoria quando o
pensamento do outro reflete o seu. Concordar é próprio dos imbecis. Discordar
também não é nada demais, enfim. Não temos muito que fazer além da primeira
pessoa, não é egocentrismo, é pura desilusão.
Já me faltam motivos pra continuar escrevendo, exceto encher a página.
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