O
amor acontece assim: Escuta-se a musica do bar em frente e o burburinho dos
últimos clientes, o gosto da cerveja já sumiu completamente do paladar. Os dois
corpos descansam semi- encostados e algumas lufadas de vento úmido da chuva
fazem um barulho agradável no telhado. E acontece um estalo: Zás! Nem minha
pança de mamute e nem sua bunda de mulata são um empecilho. Encaixe. Como se a
América do Sul voltasse com toda a força e encontrasse seu lugar na costa da
África. Encaixe. Só que ao invés de estabilidade os continentes imitam o
primeiro encontro colossal, terremoto após terremoto. Encaixe. E um oceano
atlântico de licores afrodisíacos inunda a atmosfera do quarto indicando que fiz
a coisa certa. O bar fecha, a chuva para, as paredes do quarto não são mais
amarelas, e nunca houve gosto de cerveja. Até que o atlântico jorra em
tormentas marítimas de tempos geológicos e ouve-se um gemido tímido que faz o
tempo voltar de seu estado de suspensão. Os últimos bêbados ainda papeiam no bar,
a chuva não cessou, as paredes do meu muquifo ainda são de um ridículo amarelo.
Não acabamos. Meu corpo de mamute salta barulhento sobre o dela, rendida,
entregue, receptiva, e mergulho no mar licoroso com prazer de vitorioso até que
se esgotam minhas forças de Sísifo e a pedra rola sobre meu corpo novamente.
Devemos manter a África árida e infértil, concordamos de forma imperialista.
Índios e negros avizinham-se com harmonia, pois formamos novamente o continente
único ancestral. Ouve-se um trovão de mar batendo nas pedras, mas é só o ronco
de seu descanso merecido. Não tenho sono, nem sede, nem fome, nem nada. Somos
apenas um homem e uma mulher. Antes dela trabalhar faremos de novo, e o magma
do desejo continuará azeitando o movimento continental. E nos amaremos...
terça-feira, 13 de agosto de 2013
terça-feira, 23 de julho de 2013
OTIMISMO
Não existe saudade no escuro. No escuro são todas iguais. Rio e Joao
Pessoa, inferno e paraíso, morte e vida, amor e paixão. Idênticos. E os
arrepios lisérgicos parecem igualar mais as experiências de forma a acreditar
que não existe geografia, só percepção. A solidão parece invenção do egoísmo,
veja você: ventilador, teto, copo, uísque, geladeira, computador... mil homens
e mulheres envolvidos na sua tarefa. Sinto que desde Adão nenhum homem esteve
só. A única solidão é a companhia de deus. Não estou só.
Meus gestos alterados fazem meu corpo de mamute pender pra frente e pra
trás como um autista do cinema. Não sei o que estou fazendo. Escrevo sem
roteiro esperando que as palavras me venham, mas não me preocupo. Gonzo,
bitnik, realismo fantástico, não importa. Nenhum deles sou eu. Uma legião de
Eguns possivelmente está me rodeando e ainda sim foda-se. Também não sou
espirita. O passado e o imponderável não me inspiram mais que o incomodo das
minhas pernas de chinês de frente a tela dessa geringonça. Não possuo uma mesa.
Como também não tenho uma casa, um trabalho, uma pátria, um nome, ou uma vó.
Não sou confiável. Meus vizinhos só me dão bom dia apegados no meu sotaque de
“americano” e no meu sorriso fácil. Quando acabar de perder meus dentes sei que
não ouvirei mais esse comprimento e nem sentirei falta.
A cada duas frases tenho que interromper a escrita porque o auto corretor
parece que não prevê a primeira pessoa. Ou isso, ou minha concordância é
péssima, o que não descarto. Mas também não previam a primeira pessoa o
batalhão de professores que tive até hoje, e sempre tentaram fazer de mim um
desajustado ou um discípulo. O pior imbecil é aquele que vê sabedoria quando o
pensamento do outro reflete o seu. Concordar é próprio dos imbecis. Discordar
também não é nada demais, enfim. Não temos muito que fazer além da primeira
pessoa, não é egocentrismo, é pura desilusão.
Já me faltam motivos pra continuar escrevendo, exceto encher a página.
terça-feira, 26 de março de 2013
MACONDO, 5 DE MARÇO DE 2013
Viajar nos
deixa em contato com o que há de mais elementar em nossa existência. Não há
nada mais elementar na existência humana que a solidão. Ao nascermos temos
nosso ultimo momento de companhia da vida, e quando cortam o cordão está feito,
não tem volta. As mães são os únicos seres da criação que podem vencê-la, e
esse vislumbre de companhia se converte em condenação eterna, pois se são
capazes de não estarem sós por um tempo, vão viver na carne a tristeza de amar alguém
de uma forma que não pode ser retribuída. Entre mãe e filho não se troca amor,
ele se dá a tal distancia, e o de um é tão diferente do outro, que seu
resultado é sempre o mesmo, solidão.
Cheguei nessa
cidadezinha do cu do mundo para vê-la e nada mais. Não tenho compromissos,
interesses ou mesmo um passa tempo. Queria vê-la e foi isso que eu fiz. Quando a
vi percebi que estava só. O homem, cuja solidão iniciada jamais termina, vive
com essa ilusão insuportável de que ela pode ser vencida. O amor. A esperança
de que existe alguém nesse mundo que pode salvá-lo do destino inexorável. Eu
digo que o amor é a pior solidão. Encontrar alguém em que se deposita tudo que
se pode dar de bom, e ainda sim não ser capaz, nem por um segundo, de sentir o
que o outro sente. O amor confunde empatia com companhia. Não há companhia.
Como cheguei
cedo, ela só sairia para o almoço em algumas horas, encontrei uma “venda”
dessas de novela de interior e pedi uma cerveja. O pátio da venda tinha quatro
janelas enormes de madeira todas abertas que a tornavam menos escura, e seu
dono era um senhor de cabeça branca e olhar simpático, desses que espancam a
mulher e depois se masturbam sussurrando a Ave Maria. Depois de algumas cervejas
me dei ao luxo de considerá-lo um bom homem e de ver algum charme em toda
aquela desolação. O silêncio do interior é perfeito para beber sozinho. As nove
da manhã começaram a chegar os cachaceiros do dia a dia, e eu já estava alto o suficiente
para aguentar a barra. Como era óbvio que eu era estranho àquele lugar,
respondi as perguntas habituais com bom humor e até bebi uma ou duas pingas pra
me entrosar.
As onze e
pouco, como se tivessem desligado o ventilador, a brisa terminou bruscamente e
a atmosfera se tornou opressiva até na sombra do bar. Foi como um apito de
fábrica, pois todos os matutos se retiraram imediatamente e a venda fechou. Mesmo
sem entender saí também. Lá fora encontrei um calor insuportável que encharcou
minha roupa de suor no mesmo instante, resolvi que ia esperá-la na porta do
trabalho, mas como o sol estava violento tive que entrar. Lá dentro, tive que
aguentar um pouco mais de meia hora de puro tesão ao observá-la trabalhando. Seu
decote deixava claro que seus peitos eram incrivelmente macios e empinados, e
toda vez que ela debruçava no balcão eu sentia dilatar. Era obvio que já estava
bêbado, mas o fato é que mulheres trabalhando me excitam, principalmente a
minha.
O almoço
transcorreu com a indiferença que os encontros à mesa pedem. Sem toques, sem
beijos. No máximo olhares, e mesmo assim sem nenhum desejo. A atmosfera de
interior me deixava estranhamente formal. Tímido. A comida era ótima, mas a
cerveja não gosta de concorrentes sólidos, então comi como um jóquei. Na saída o
apito da fábrica voltou a soar e o vento soprou contra trazendo de volta à rua
os cachaceiros da manhã. Eu não era mais um deles. Senti o calor me
deteriorando aos poucos como se derretesse. Olho pra baixo e vejo meus pés se
desfazendo em pó e subindo numa corrente de ar que terminava no corpo dela. A cada
passo a correnteza da brisa levava mais do meu corpo desfeito em poeira. Ainda
sentia meus movimentos como se estivesse andando, mas de fato o vento estava
transferindo minha existência física para seu corpo. Quando a rajada de vento
derradeira levou meus olhos, pude ver o caminho que terminava em seu ventre até
que tudo se fez escuro. Ainda sentia o ritmo de passos, mas não eram mais os
meus.
Quando acordei
havia vômito por todo lado. Estava numa cama de motel e sentia o gosto do calor
que me derretera nos últimos momentos de minha consciência. Precisava cagar e
ao levantar escorreguei numa poça piorando tudo. Sentei no vaso e fiz meu
trabalho com sofreguidão. Quando me levanto sou surpreendido por um sapo
saltando de dentro do vaso coberto de merda. Ele como eu saltou tarde demais.
quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013
TÍSICO
Ouço sua voz gemendo meu nome e me ponho alerta, em riste. Procuro teu
corpo adormecido de índia, a boca aberta, nua e de costas, para encaixar-me
entre suas pernas e reiniciar os trabalhos. Estou só. Nem pele de boldo, nem
olhos de jamelão. O fedor do meu suor de penicilina em nada lembra o cheiro
forte do teu desejo. Minha cama pequena e acanhada é a marca do meu destino
sobre esse planeta. Não há conforto. O antibiótico me nega o uísque, a febre me
nega a brisa do mar, o catarro me nega a agua gelada, a tosse me nega até um
suspirar. Minha cela de franciscano dá a impressão de austeridade e paz, mas
não ha paz. A palavra é desolação. Aos remédios que me tiram o paladar recorro
por puro medo da morte. Mas não tem jeito. Sei que morrerei esta manhã para
renascer à tarde ainda decrepito
Acordo novamente e já não tenho a sensação de sua presença. A solidão de
fato é melhor que te procurar como um amputado a ter câimbras no membro que já
não existe. Tomo um banho e sinto a febre escorrer pelo ralo junto com a
sujeira do meu corpo. Não me sinto bem, mas já me sinto melhor. A doença não me
preocupa, posso até mesmo antever sua cura. Assim como posso novamente
acreditar que em breve estarei com você. Cinco ou seis dias, nada demais.
Oscilo entre a morte certa e a esperança no restabelecimento nos
intervalos do antitérmico. É como transitar entre duas existências igualmente
desconfortáveis. Já não me preocupa a temperatura do dia, a estação do ano, ou
a fase da lua. Minha doença é minha vida e nela posso confiar. É solida como a
espessura do muco, que quando não tenho mais forças para tossir, vomito. No
delírio da minha febre, ajudada pela atmosfera feérica causada pelo pouco ar
nos pulmões, tenho medo que meu quarto inteiro, não eu, esteja deixando esse
mundo. Sinto o castigo de Sapatá e o quase abandono de Eleguá. Mas não. Ouço as
vozes do lado de fora e me certifico de meu endereço. É a rua da amargura, onde
mora meu vizinho Major, e, por conseguinte, também moro eu. Seu violão lamenta
a falta de alguém que não lhe amava, meu corpo reclama sua falta.
segunda-feira, 21 de janeiro de 2013
CANÇÃO DE CHEGADA
Ainda que os bares não fechassem em noite alguma
E que a reunião de amigos fosse a mesa farta
bebidas, petiscos, orgias e canções.
e que a balança do Estácio ainda visse os baluartes
e a malandragem reunida me desse abrigo
e os otários por minha benesse implorassem
a imitar o meu destino.
E seu toque fosse de perfume e brisa fresca.
Não poderia fazer de outra forma.
Meu lugar é onde vive o meu amor.
Assinar:
Postagens (Atom)