sábado, 27 de dezembro de 2014

NOVOS TEMPOS

             Passei pela loja de conveniência e comprei uma lata das grandes, pensei em mandar uma mensagem para o Leo: Como nos velhos tempos! Nos tempos das idas e voltas da barca ou do 277, com um copo gigante de chope e a melhor conversa do mundo até chegar no Encantado. Não tinha créditos para a mensagem.
Cheguei no bar e pedi uísque e cerveja, pensei em mandar uma mensagem para o Petrus:  Como nos velhos tempos! Parar no Capela, beber quantos uísques forem necessários, enxaguar num chopinho ou numa cerveja e ficar lá até ficar bêbado. Não tinha créditos para a mensagem.
Acabei bebendo mais do que tinha dinheiro pra pagar, então resolvi abandonar o bar num balão, pensei em mandar uma mensagem para o Markito: Como nos velhos tempos! Não havia falta de grana que nos deixasse sem beber, viver de pequenos golpes e sambas na Lapa. Que saudade. Mas não tinha créditos para mandar a mensagem.
Como economizei meu dinheiro, parei para a saideira no bar perto de casa. Acabei bebendo mais 15 e tive que deixar 5 penduradas. Pensei em mandar uma mensagem para o Dedé: Como nos velhos tempos! Beber até não poder mais, num bar 24 horas qualquer, “o gordo filho da puta que desenrola sempre”, se precisar sempre tem como pendurar. Não tinha créditos para mensagem.
Já estava chapado então passei novamente na loja de conveniência e peguei 10 latões no cartão, era o ultimo dinheiro no banco para pagar a conta de luz. Pensei em mandar uma mensagem para o Thiagão: Como nos velhos tempos! Enfrentar a birita de frente, até os últimos recursos, abraçar a piração. Não tinha créditos para mandar a mensagem.
Cheguei em casa e no terceiro latão apaguei. Acordei já estava amanhecendo. Como amanhece cedo nessa merda! Vi os 8 latões restantes e lembrei do Negão, sempre exagerado na última reserva, sempre mais cervejas que o necessário, sempre fazendo da forma certa. Nunca foi possível mandar mensagens para o Negão. Abri um latão e somente pensei: Como nos velhos tempos!
Acordei numa ressaca gigante e lembrei de ressacas homéricas com Jeronimo, Glaydinho, Manel, Bebeto, Boi e tantos outros. Como nos velhos tempos! Resolvi finalmente escrever uma mensagem para enviar aos que for possível, para dizer Como nos velhos tempos! Que péssima ideia. Se fossem nos velhos tempos estaria comigo uma ou mais dessas grandes almas.
Agora é como nos novos tempos: Sozinho.
Chorei. 

terça-feira, 13 de agosto de 2013

ISTO NÃO É UMA METÁFORA


      O amor acontece assim: Escuta-se a musica do bar em frente e o burburinho dos últimos clientes, o gosto da cerveja já sumiu completamente do paladar. Os dois corpos descansam semi- encostados e algumas lufadas de vento úmido da chuva fazem um barulho agradável no telhado. E acontece um estalo: Zás! Nem minha pança de mamute e nem sua bunda de mulata são um empecilho. Encaixe. Como se a América do Sul voltasse com toda a força e encontrasse seu lugar na costa da África. Encaixe. Só que ao invés de estabilidade os continentes imitam o primeiro encontro colossal, terremoto após terremoto. Encaixe. E um oceano atlântico de licores afrodisíacos inunda a atmosfera do quarto indicando que fiz a coisa certa. O bar fecha, a chuva para, as paredes do quarto não são mais amarelas, e nunca houve gosto de cerveja. Até que o atlântico jorra em tormentas marítimas de tempos geológicos e ouve-se um gemido tímido que faz o tempo voltar de seu estado de suspensão. Os últimos bêbados ainda papeiam no bar, a chuva não cessou, as paredes do meu muquifo ainda são de um ridículo amarelo. Não acabamos. Meu corpo de mamute salta barulhento sobre o dela, rendida, entregue, receptiva, e mergulho no mar licoroso com prazer de vitorioso até que se esgotam minhas forças de Sísifo e a pedra rola sobre meu corpo novamente. Devemos manter a África árida e infértil, concordamos de forma imperialista. Índios e negros avizinham-se com harmonia, pois formamos novamente o continente único ancestral. Ouve-se um trovão de mar batendo nas pedras, mas é só o ronco de seu descanso merecido. Não tenho sono, nem sede, nem fome, nem nada. Somos apenas um homem e uma mulher. Antes dela trabalhar faremos de novo, e o magma do desejo continuará azeitando o movimento continental. E nos amaremos...

terça-feira, 23 de julho de 2013

OTIMISMO


Não existe saudade no escuro. No escuro são todas iguais. Rio e Joao Pessoa, inferno e paraíso, morte e vida, amor e paixão. Idênticos. E os arrepios lisérgicos parecem igualar mais as experiências de forma a acreditar que não existe geografia, só percepção. A solidão parece invenção do egoísmo, veja você: ventilador, teto, copo, uísque, geladeira, computador... mil homens e mulheres envolvidos na sua tarefa. Sinto que desde Adão nenhum homem esteve só. A única solidão é a companhia de deus. Não estou só.
Meus gestos alterados fazem meu corpo de mamute pender pra frente e pra trás como um autista do cinema. Não sei o que estou fazendo. Escrevo sem roteiro esperando que as palavras me venham, mas não me preocupo. Gonzo, bitnik, realismo fantástico, não importa. Nenhum deles sou eu. Uma legião de Eguns possivelmente está me rodeando e ainda sim foda-se. Também não sou espirita. O passado e o imponderável não me inspiram mais que o incomodo das minhas pernas de chinês de frente a tela dessa geringonça. Não possuo uma mesa. Como também não tenho uma casa, um trabalho, uma pátria, um nome, ou uma vó. Não sou confiável. Meus vizinhos só me dão bom dia apegados no meu sotaque de “americano” e no meu sorriso fácil. Quando acabar de perder meus dentes sei que não ouvirei mais esse comprimento e nem sentirei falta.
                A cada duas frases tenho que interromper a escrita porque o auto corretor parece que não prevê a primeira pessoa. Ou isso, ou minha concordância é péssima, o que não descarto. Mas também não previam a primeira pessoa o batalhão de professores que tive até hoje, e sempre tentaram fazer de mim um desajustado ou um discípulo. O pior imbecil é aquele que vê sabedoria quando o pensamento do outro reflete o seu. Concordar é próprio dos imbecis. Discordar também não é nada demais, enfim. Não temos muito que fazer além da primeira pessoa, não é egocentrismo, é pura desilusão.
                Já me faltam motivos pra continuar escrevendo, exceto encher a página.

terça-feira, 26 de março de 2013

MACONDO, 5 DE MARÇO DE 2013


Viajar nos deixa em contato com o que há de mais elementar em nossa existência. Não há nada mais elementar na existência humana que a solidão. Ao nascermos temos nosso ultimo momento de companhia da vida, e quando cortam o cordão está feito, não tem volta. As mães são os únicos seres da criação que podem vencê-la, e esse vislumbre de companhia se converte em condenação eterna, pois se são capazes de não estarem sós por um tempo, vão viver na carne a tristeza de amar alguém de uma forma que não pode ser retribuída. Entre mãe e filho não se troca amor, ele se dá a tal distancia, e o de um é tão diferente do outro, que seu resultado é sempre o mesmo, solidão.
Cheguei nessa cidadezinha do cu do mundo para vê-la e nada mais. Não tenho compromissos, interesses ou mesmo um passa tempo. Queria vê-la e foi isso que eu fiz. Quando a vi percebi que estava só. O homem, cuja solidão iniciada jamais termina, vive com essa ilusão insuportável de que ela pode ser vencida. O amor. A esperança de que existe alguém nesse mundo que pode salvá-lo do destino inexorável. Eu digo que o amor é a pior solidão. Encontrar alguém em que se deposita tudo que se pode dar de bom, e ainda sim não ser capaz, nem por um segundo, de sentir o que o outro sente. O amor confunde empatia com companhia. Não há companhia.
Como cheguei cedo, ela só sairia para o almoço em algumas horas, encontrei uma “venda” dessas de novela de interior e pedi uma cerveja. O pátio da venda tinha quatro janelas enormes de madeira todas abertas que a tornavam menos escura, e seu dono era um senhor de cabeça branca e olhar simpático, desses que espancam a mulher e depois se masturbam sussurrando a Ave Maria. Depois de algumas cervejas me dei ao luxo de considerá-lo um bom homem e de ver algum charme em toda aquela desolação. O silêncio do interior é perfeito para beber sozinho. As nove da manhã começaram a chegar os cachaceiros do dia a dia, e eu já estava alto o suficiente para aguentar a barra. Como era óbvio que eu era estranho àquele lugar, respondi as perguntas habituais com bom humor e até bebi uma ou duas pingas pra me entrosar.
As onze e pouco, como se tivessem desligado o ventilador, a brisa terminou bruscamente e a atmosfera se tornou opressiva até na sombra do bar. Foi como um apito de fábrica, pois todos os matutos se retiraram imediatamente e a venda fechou. Mesmo sem entender saí também. Lá fora encontrei um calor insuportável que encharcou minha roupa de suor no mesmo instante, resolvi que ia esperá-la na porta do trabalho, mas como o sol estava violento tive que entrar. Lá dentro, tive que aguentar um pouco mais de meia hora de puro tesão ao observá-la trabalhando. Seu decote deixava claro que seus peitos eram incrivelmente macios e empinados, e toda vez que ela debruçava no balcão eu sentia dilatar. Era obvio que já estava bêbado, mas o fato é que mulheres trabalhando me excitam, principalmente a minha.
O almoço transcorreu com a indiferença que os encontros à mesa pedem. Sem toques, sem beijos. No máximo olhares, e mesmo assim sem nenhum desejo. A atmosfera de interior me deixava estranhamente formal. Tímido. A comida era ótima, mas a cerveja não gosta de concorrentes sólidos, então comi como um jóquei. Na saída o apito da fábrica voltou a soar e o vento soprou contra trazendo de volta à rua os cachaceiros da manhã. Eu não era mais um deles. Senti o calor me deteriorando aos poucos como se derretesse. Olho pra baixo e vejo meus pés se desfazendo em pó e subindo numa corrente de ar que terminava no corpo dela. A cada passo a correnteza da brisa levava mais do meu corpo desfeito em poeira. Ainda sentia meus movimentos como se estivesse andando, mas de fato o vento estava transferindo minha existência física para seu corpo. Quando a rajada de vento derradeira levou meus olhos, pude ver o caminho que terminava em seu ventre até que tudo se fez escuro. Ainda sentia o ritmo de passos, mas não eram mais os meus.
Quando acordei havia vômito por todo lado. Estava numa cama de motel e sentia o gosto do calor que me derretera nos últimos momentos de minha consciência. Precisava cagar e ao levantar escorreguei numa poça piorando tudo. Sentei no vaso e fiz meu trabalho com sofreguidão. Quando me levanto sou surpreendido por um sapo saltando de dentro do vaso coberto de merda. Ele como eu saltou tarde demais.