quarta-feira, 28 de outubro de 2009

CUBA LIBRE IN MEMORIAM

Seco. É só o que sinto nesse momento. Está tudo muito seco. Minha boca, minha garganta, minha pele, minha torneira, tudo está seco. Soluço, soluço, soluço. E tudo fica ainda mais seco. Também não tem água na geladeira. Desço e vou ao bar em frente. Não tenho dinheiro. Seco. Pego fiado uma garrafa grande de coca e uma de Rum ordinário. Uma pequena vitória afinal, o Gersom nunca tinha pendurado nada pra mim. Pedi também um copo de água da bica para melhorar o soluço. 9 X 2 para a vida, sei que não tenho chance de virar esse jogo.
Não sou de beber Cuba Libre, muito menos às duas da tarde, mas hoje merece um porre. Estou a exatos sete dias sem beber, e ficaria mais hoje não fosse o acontecido. Pareceu-me uma boa homenagem. Comecei com Dreher a umas três horas, mas só tinha meia garrafa. Também não sou muito de Dreher, só tinha essa em casa porque alguém deixou. Essa foi outra homenagem.
Acordei com a notícia de que tinha morrido um conhecido. Não era grande coisa, eu não gostava tanto dele, enfim, era só um bêbado. Pessoas de minha alta consideração conviveram muito mais com ele e também não sentirão tanta falta. Mas ainda assim achei que merecia uma homenagem. Liguei para o Quito e dei a notícia. Ele também não achou grande coisa, mas disse que viria. Ele chegou logo depois que comprei o Rum, me encontrou bêbado e seco.
Ao velho cachaça, brindamos do primeiro ao último copo de Cuba. Secamos a garrafa e eu já estava bem torto. Quito queria fumar e tinha uma boa quantidade de erva, não sou muito de maconha, mas já que homenageava um pai morto, por que não dois. Pareceu-me uma boa homenagem.
Já havia anoitecido a muito tempo, eu não tinha mais dinheiro, nem o Quito. De fato não agüentaria beber mais nada. Começar com Dreher não é coisa que se faça e saia impune. Este ultimo pensamento me fez lembrar da morte do velho cachaceiro, não me pareceu uma morte tão estúpida. Um homem deve morrer de seus vícios e viver de suas virtudes, nunca o contrário. Sei que minha morte não será muito diferente, sinto que estou gastando minha saúde muito rápido e não devo agüentar muito tempo. Mas minha vida acredito que seja bem diferente, espero. O velho não deixou nada alem de bugigangas e algumas mágoas, e teve um enterro vazio e constrangedor. Ganhou mais dinheiro do que viveu. Pelo menos bebeu muito, já é alguma coisa.
Quando chegar meu dia, quero ser lembrado de forma oposta. Sei que não juntei muito dinheiro e a não ser que acerte a mega sena morrerei pobre. Também não fui muito bom em nada, nem mesmo bom. Considero sinceramente que a minha única virtude digna de comentário é que sou um bom amigo. Amei meus amigos durante toda minha vida e não pretendo mudar. Sempre deu certo. Não fui bem sucedido com as mulheres, e por mais que ainda não tenha desistido, já me conformei. Mas como amigo sou muito bom. Nisso e em beber cerveja. Um homem deve viver de suas virtudes e morrer de seus vícios, vivo de ter ainda alguns bons amigos e morrerei de tanto beber. Tenho trinta anos, e daqui a dez, no máximo, quero ser lembrado por isso.
Olho para o lado e o Quito esta dormindo, seu peito chia como um apito. Será que ele está tão seco quanto eu? Morrer deve ser assim: seco.
  
     

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

SALVE 27 DE SETEMBRO

Havia trocado o dia pela noite pela terceira vez consecutiva. Isso me incomodava profundamente. Não tinha saído de casa e nem bebido em nenhum desses dias, apenas ficava acordado a noite toda, sóbrio e sem ter o que fazer. Saí de casa procurando um bar onde pudesse almoçar e depois tomar uma cerveja. Ainda não era verão, mas o calor estava insuportável. Pedi um frango assado e um refrigerante, não consigo beber enquanto como, e comi meio sem vontade. Terminei o refrigerante e pedi uma cerveja. Realmente uma cerveja faz toda diferença.
As ruas estavam lotadas de crianças correndo pra todo lado. Todo o ano é assim, dia vinte e sete de setembro é o dia das crianças no subúrbio, é dia de Cosme e Damião. Não me incomodei com a gritaria, ao contrário, me enchi de bom humor. Acho que minha primeira memória de infância, onde sou totalmente autônomo, é de num desses dias. Lembro-me de estar com uma matilha de amigos, todos com mochilas nas costas e sacolas nas mãos, perambulando pelas ruas atrás de doces, e com sorte um brinquedo ou outro. Saía de casa pela manhã e só voltava à noite.
Comecei a refletir sobre a importância desses dias na minha criação. Como aquela liberdade era necessária para expandir meu território pelo bairro, e ser respeitado pelos colegas. De fato, tem lugares do bairro que só fui quando criança, exatamente para correr atrás de doces. No fim do dia, o inventário da jornada e o orgulho da quantidade absurda de doces conseguidos. Lembro que jogávamos as sobras fora somente no natal. Poucas felicidades me parecem tão importantes como essa.
Penso no Rio de hoje e as ruas já não estão cheias como aqueles tempos. Na minha época não havia tantos evangélicos. Sorri. Como ainda estava na primeira cerveja, percebi que são duas privações estúpidas, as que alguns desses religiosos se impõem. Na infância as crianças evangélicas percebem que nunca serão tão felizes quanto as outras. Estão proibidas de participar daquela magnífica orgia de liberdade e doces. Como isso me parece idiota. Deve ser terrível ouvir a gritaria e não poder tomar parte. Os doces são o de menos.
A outra privação estúpida diz respeito á cerveja. Talvez “Cosme e Damião” seja só um treinamento. Terão que viver a vida inteira passando pelos bares e achando aquilo pecaminoso. Possivelmente eles ouvem as mesmas vozes da balbúrdia infantil de setembro, toda vez que passam por um bar. Duvido que deus, ou o que quer que seja, ligue para esses pequenos prazeres.
Acho que fui pouco generoso com meus vizinhos evangélicos. Ainda considero a privação estúpida, mas poderia ser bem pior. Peço a segunda cerveja e penso no outro lado da cidade. Nas crianças entulhadas nos prédios e com seus joguinhos eletrônicos e suas brincadeiras solitárias. Nem a gritaria eles ouvem. Não sabem o que é “Cosme e Damião”. Crescerão sem conhecer o bairro e os vizinhos, serão adolescentes presos aos amigos da escola e ao papai buscar no fim da festa, e pior ainda, serão homens que não saberão o que eu senti quando abri a primeira cerveja. Aleijados.
Aos meus vizinhos evangélicos peço desculpa pela minha grosseria. Realmente é muito melhor ser um evangélico abstêmio do que um playboy bêbado. Ao pessoal do outro lado da cidade está vetado esse maravilhoso convívio. A vocês, todo ano tem “Cosme e Damião”, todo dia tem bar aberto. Estarei esperando por vocês. Tenho certeza que por isso deus não nos castigará. Deixem seus filhos irem pra rua de mochilas, e venham que ainda estou na segunda cerveja.    
  

terça-feira, 6 de outubro de 2009

ETICA DE UM SONHO

            Abri os olhos e estava suado e ofegante. Em baixo de mim uma bela morena gemia a cada movimento pendular meu. Parecia que tinha nascido para isso. Estocava cada vez mais forte, e a cada estocada tinha a certeza de que iria fazer mais dez. Sentia uma prazer gigantesco. Quando cheguei bem perto do clímax, reconheci a mulher: era minha ultima namorada. Não liguei muito, apenas continuei. Fiquei a ponto de gozar, mas na hora h ao invés de gozo senti uma enorme ânsia de vomito. Não pude segurá-la. Vomitei, diga-se de passagem, muito.
            Corri envergonhado e abri a porta do quarto. Do outro lado estava uma outra mulher. Negra, corpulenta, gostosa, nua como a anterior. Não sentia mais o gosto do vômito. Ao invés disso, sentia uma enorme excitação. Não pude me controlar. Montei nela e comecei a meter frenéticamente. Novamente parecia que eu não sabia fazer outra coisa além daquilo. De repente olho para seu rosto e ela está rezando. Com as mãos em súplica reza e chora. Só nesse momento a reconheci, era uma outra ex-namorada. O choro vai aumentando em intensidade até que eu não consigo mais meter. Brochei.
            Levanto-me furioso e sinto novamente o gosto do vômito. Sinto também o gosto de lágrimas. Percebo que estou chorando desbragadamente. Saio do quarto e entro numa festa. Não reconheço ninguém, e ninguém parece me ver. Não havia mais sinais de lágrimas em mim. Batem na porta, uma mulher pequena de pele clara e aparelho nos dentes abre a porta. Era um entregador com um buquê de flores e um uma folha de papel. Ela recebe o buquê, e lê o conteúdo da folha, parece que ouço seus pensamentos. Vejo que o que ela lê é um poema meu. Ela dobra a folha duas vezes e coloca dentro do buquê. Entrega pra alguém o embrulho e pensa: muito previsível. Nesse momento reconheço a voz e o rosto dela. Mais um ex-amor. Sinto um peso enorme sobre mim, como se caísse de um penhasco. O choro e o vômito reaparecem.
            Acordo e estou deitado no sofá. Olho a minha volta e vejo minha roupa espalhada no chão e uma garrafa de vinho vazia. Nenhum copo. Meu último fio de humor pensa: quando estiver bêbado em casa tente ser minimamente civilizado e use um copo. Sorrio. Eu nunca fui muito civilizado. Vejo as horas e já são cinco para as quatro da tarde. Devo ter chegado pela manhã. Estava cansado, mas as paredes da sala me oprimiam. Sem falar no sonho terrível que acabara de ter. Precisava espairecer.
            Começo a andar pelo bairro e o sonho não sai da minha cabeça. As mulheres são como a bebida, se você não se defender pelo menos um pouco elas te destroem. Nunca soube me defender de ambos. Vaz Lobo me pareceu aconchegante naquele fim de tarde. Passo em frente a uma pensão e ainda estão servindo. Entro e sou recebido por uma mulata baixinha e sorridente. Ela me entrega o cardápio e vai a cozinha. Vendo-a por trás percebo que tem uma bunda linda e impinada. E que coxas! Ela volta e peço bife com fritas, acho que nem consultei o cardápio. Qualquer pensão sempre tem esse prato. Termino a refeição e a pensão já não tem mais ninguém. A mulatinha percebe minha satisfação e puxa assunto.
            Quase ninguém almoça essa hora. Os últimos antes de você trabalham no hospital aqui em frente, só por eles ainda não fechamos.
            Sorte a minha. Estava faminto.
            Sorte sua, Azar meu que só saio daqui escurecendo.
            Desculpe, não queria te atrapalhar. Prometo que não venho mais depois das três.
            Ela sorri. Não tem problema. Com você ou não os enfermeiros vêm todo dia. Acho que prefiro que você venha.
            Obrigado, assim eu vou virar freguês. Senta aqui um pouco, todos já foram mesmo.
            Ela sorri e diz que volta em um minuto. Como prometido, ela volta com uma garrafa na mão e um copo. Já não está mais com o avental. Dou uma nova avaliada e vejo uma mulher bem bonita. Belo corpo. Seios durinhos, porém pequenos. Não tinha lá um rosto muito agradável, exceto pelo sorriso que não saía da boca.
            Você aceita um licor? É da minha patroa, mas ela já foi embora.
            Claro. É de quê?
            Banana com canela. É uma delícia, ela só serve para os melhores clientes.
            E você não vai beber?
            Hoje não. Passa aqui na sexta que eu tomo um copo contigo.
            Eu sorri e bebi um copo. Ela prontamente me serviu outro. Estava realmente uma delícia. Fiquei lá mais um quinze minutos papeando e bebendo o licor. Bebi uns quatro. Pedi a conta e fui embora. Ela não me cobrou os licores, nem eu fiz questão de pagar. Saí voltei pra casa e pra cama. Antes de dormir pensei: às vezes a realidade é bem melhor que os sonhos. Dormi como uma pedra.